CARTA
DE CAXAMBU/2000
Ao
povo brasileiro e às autoridades constituídas:
Em resposta a todas
as iniciativas que determinam, atualmente, o aviltamento e a deterioração
da educação no país, considerando os princípios
e compromissos que orientam historicamente sua prática, a Associação
Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação
–anpedo– vem a público:
- denunciar as graves
circunstâncias que ameaçam a construção desse
projeto coletivo e democrático de educação pública,
gratuita e de qualidade;
- reafirmar seu
irrestrito compromisso com a instituição do direito à
educação, como sentido e como prática;
- rejeitar a submissão
da política educacional às orientações de
organismos financeiros internacionais;
- conclamar a sociedade
brasileira a compartilhar de suas preocupações e reivindicações.
A desmedida centralização
na condução dos destinos da educação pública,
o sistemático desprezo pelos pronunciamentos dos fóruns e
instâncias de deliberação colegiada, bem como o recurso,
cada vez mais freqüente, a procedimentos burocráticos impositivos
estão entre as tendências de gestão governamental que
ferem as disposições, os interesses e as mais firmes convicções
do coletivo que a anpedo representa. Assim, a Associação
conclama todos aqueles para quem a educação, mais do que um
privilégio de poucos, constitui-se em direito de cada um, a denunciar
o autoritarismo expresso:
- pelas atuais políticas
de avaliação centralizadas nos resultados em todos os
níveis de ensino e sua utilização como instrumento
do Estado de Regulação Social;
- pelo descomprometimento
com a educação infantil e de jovens e adultos;
- pela ausência
de políticas concretas para a educação de todos
os grupos étnicos constituintes da nação brasileira,
assim como dos portadores de necessidades especiais;
- pelas políticas
de exclusão relativas à educação no campo;
- pelo desvirtuamento
do sentido de autonomia universitária que obriga as IES a buscar
fontes alternativas de recursos para garantir a concretização
das finalidades de ensino, pesquisa, extensão e práticas
culturais.
- pela introdução
de um novo modelo de pós-graduação stricto sensu
que induz à descaracterização da formação
à pesquisa, mediante a implantação de mestrados
profissionalizantes - supostamente capazes de substituir, em alguns
casos, o mestrado acadêmico;
- pelo progressivo
aligeiramento da formação de professores, em cursos que
visam apenas à certificação formal daqueles que
se deveriam qualificar para o exercício da profissão;
- pela adoção
de procedimentos que, fazendo uso indevido de instrumentos da democracia,
previstos constitucionalmente, como as «audiências públicas»,
acabam por dissimular práticas que legitimam decisões
unilaterais e restritivas;
- na concentração
de tecnologia em favor de poucos, em detrimento do amplo acesso da população.
Eis porque, reunidos
em Caxambu, os associados da anpedo reafirmam suas históricas
posições quanto à exigência de:
- efetiva universalização
da educação básica para crianças, jovens
e adultos;
- garantia de uma
universidade pública, gratuita e de qualidade social;
- condições
dignas de trabalho, remuneração, carreira, formação
inicial e continuada dos profissionais de todos os níveis e modalidades
da educação;
- recursos que possibilitem
a garantia de atendimento público e de qualidade das necessidades
educacionais em todos seus níveis e modalidades;
- recursos compatíveis
com a necessidade de garantir a regularidade, expansão e autonomia
nacional da pesquisa e da formação de pesquisadores;
- participação
efetiva da sociedade nos processos de concepção, implementação
e avaliação da educação pública brasileira;
- processos de avaliação
dos programas de pós-graduação que contemplem plenamente
o exercício da liberdade acadêmica e científica;
- apoio aos projetos
educacionais dos movimentos sociais do campo;
- implementação
de mecanismos que divulguem e que incorporem as contribuições
que o avanço da pesquisa educacional, em seus diversos campos,
vem oferecendo à sociedade brasileira;
- democratização
do acesso e do uso criativo e crítico das novas tecnologias,
bem como a implementação de políticas de ciência
e tecnologia voltadas para o atendimento das necessidades da população
brasileira.
Assim esperam os três
mil pesquisadores e pesquisadoras, docentes e estudantes signatários
dessa carta expressar sua contribuição ao movimento mais
amplo que, delineado em todo o mundo e, em especial, na América
Latina, realiza a criação de alternativas democráticas
para os países desse continente.
Caxambu, 28 de setembro
de 2000, no centenário de nascimento do educador Anísio
Teixeira, defensor da democracia educacional brasileira.
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